DIM Brinquedim, por ele mesmo
(Ilustração 2; Foto: Ângela Madeiro
Meu nome completo é Antônio Jader Pereira dos Santos, mas sou conhecido como Dim Brinquedim. Dim porque meu pai me chamava de Jadim, e depois todo mundo abreviou para Dim, e ficou Dim até hoje. Brinquedim foi um nome que me foi dado pelo meu amigo Almiro Santos, pela relação entre meu trabalho e a brincadeira. O termo acabou se tornando uma marca do meu trabalho, quando me perguntam pelo conceito do que faço digo: - É Brinquedim! Que nada mais é do que as brincadeiras do DIM.
Desde os três anos, que me sinto feliz em inventar coisas. Nasci no bairro do Cruzeiro em Camocim, que era um bairro muito alegre, e com muitas manifestações culturais que instigavam minha curiosidade: tinha o mamulengueiro Zezinho do Gás, que quando eu vi suas apresentações, fiquei tocado pelos seus bonecos, e resolvi criar também meus personagens. Tinha rezadeiras, rendeiras, carpinteiros, pintores, pedreiros, e, ainda, minha mãe e minha avó, que eram artesãs com as quais eu colaborava. O convívio com todas essas pessoas e seus saberes me possibilitou desenvolver habilidades, e na interação com as crianças, essas habilidades me possibilitaram criar objetos que incrementavam as brincadeiras. Assim, se íamos fazer um campeonato de futebol eu fazia os troféus, se íamos brincar de banda, eu fazia os instrumentos.
As pessoas, às vezes, acham que comecei a fazer brinquedos porque era um garoto pobre que não podia comprar brinquedos industrializados, mas na verdade eu tive muitos brinquedos comprados, e brinquedos caros da época. Comecei a fazer brinquedos pela danação de fazer.
Na minha infância, em Camocim, eu era o menino mais danado do bairro, me chamavam até de Zé Faz Tudo, que era o nome do carpinteiro do bairro, que fazia tudo.
Às vezes eu ia para o centro da cidade de Camocim e via uns vendedores de remédio brincando com ventríloquos, eu via aqueles bonecos e tentava fazer também. Tudo que eu via queria fazer, minha infância foi muito legal, sempre brincando o tempo todo e sempre fazendo alguma coisa, pintava, desenhava, sem ter preocupação de estar ou não fazendo arte. Eu não estava preocupado em ser artista, e eu estava apenas feliz por estar fazendo tudo aquilo, brincando e inventando.
Sempre fui muito curioso, e desde criança que estudo mecanismos. Na minha infância o algodão doce era vendido em um carrinho, que tinha uma espécie de maquininha a manivela que fazia o algodão doce. Só sosseguei quando descobri como funcionava aquele mecanismo, aí eu o readaptei e a partir dele produzi alguns brinquedos. E é assim, muitas das minhas peças são junção de vários mecanismos, que descubro ou que invento de acordo com o movimento que eu quero dar.
Mesmo quando não estou confeccionando alguma coisa, estou pensando, tendo ideias que desejo executar. Aos poucos vou elaborando as soluções para chegar ao que quero, essas soluções dependem muito do material do qual disponho no momento. Eu idealizo um resultado, mas não predetermino uma forma, o jeito que vou fazendo é o que é possível, depende do material que tenho disponível. Quando concluo uma peça eu mesmo não sabia que ia ficar daquele jeito.
Estou sempre juntando material, ter uma diversidade de materiais me ajuda a inventar soluções, não convencionais. Eu gosto de ter várias coisas em casa pra testar. Se vejo um parafuso perdido na calçada, uma tampinha, um arame torto, eu pego e ponho no bolso. E quando eu estou fazendo uma peça, e tenho a necessidade de um material, lembro que aquela coisa, que juntei no lugar tal, vai dar certo pra resolver essa situação. Vou juntando um material e quando chega a necessidade eu uso.
Todas as minhas experiências entram no meu processo de criação. Se faço um trabalho de reforma da minha casa e acompanho o pedreiro, aprendo com ele novas técnicas que vêm também para o meu trabalho. Eu uso todas as técnicas, eu aproveito tudo, todo o meu caminho de vida se insere em meu trabalho.
Meu avô era cego e contava estórias fantásticas, “do tempo da besteira”, eram estórias de personagens que criavam soluções para questões impossíveis, ou criavam questões inimagináveis no mundo real. Essas estórias me despertavam muita fantasia. Eu ficava muito instigado com aquelas estórias Elas ficavam na minha cabeça e eu queria fazer aquelas coisas que nem existiam, ai eu inventava tudo. E, Sempre recebi muito apoio, desde a infância, dos meus pais, avós e amigos. Ai eu continuei fazendo tudo isso. Na verdade não houve um começo do meu fazer artístico, houve sim uma continuidade do meu brincar de criança. A brincadeira sempre foi minha inspiração e nunca deixei de brincar, sou ainda um menino que tudo observa com admiração, ai eu canalizo isso no meu trabalho, e a brincadeira da vida se estende nele.
Um dos brinquedos que eu mais gosto é o João-teimoso, porque ele traz a ideia de persistência, de nunca desistir dos nossos ideais. Ele foi um dos primeiros brinquedos que conheci, foi na feira de Camocim, a pedra. Chamava-se pedra porque era uma feira no calçamento mesmo, e tinha um pano estendido no chão e alguns brinquedos: mané-gostoso, rói-rói, e um brinquedinho que tinha umas orelhinhas pra cima, que parecia um coelho. Era todo enfeitado com papel de seda e pintado, a gente derrubava e ele voltava, e eu gostava demais desse brinquedo porque achava interessante ele ir e voltar. Aí eu o desmontei e descobri que tinha um peso ali embaixo, foi assim que descobri o João-teimoso. Até hoje ele está em tudo nos meus trabalhos.
Ele aparece assim com essa expressão de alegria, de felicidade porque é a contemplação com o mundo, porque com esse mundo tão louco que está ai a gente tem que ser persistente na alegria, em tudo.
Eu acredito que o brincante não precisa do brinquedo para brincar, precisa de imaginação. Vivemos numa realidade em que nossas ações são pensadas em função dos resultados, e nos tornamos instrumentos de fins e não fruímos a vida com alegria. Mas, se pararmos de viver em função de conseguir o brinquedo e usarmos nossa imaginação para ver o que de brincadeira o cotidiano nos oferece, seremos mais felizes. O mais sério da vida pra mim é o brincar, levar a vida a sério é considerar seriamente que o objetivo maior da vida é a felicidade.
Eu vim tomar consciência de que era artista já com dezoito anos, quando eu conheci o artista plástico Batista Sena. Eu fui visitá-lo e quando cheguei a sua casa fiquei impressionado com a sua pintura e com sua decoração. Achei aquilo tão legal que fiquei lá, ajudando, foi ai que ele me disse: “rapaz você é um artista!” Foi o Batista quem teve a percepção do valor do meu trabalho, e quem me orientou na pintura, e, me fez compreender o que fazia como arte. A partir daí eu passei a conhecer novos materiais e tintas, a trabalhar com pincéis e a me dedicar conscientemente às artes plásticas. Mas desde que eu me entendo por gente que eu já trabalho com pintura, com tintura, porque a minha família é uma família de artesãos. Eu sempre fiz arte mesmo sem saber que era arte, hoje eu apenas faço com mais cuidado, com mais profissionalismo, porque o tempo vai passando e a gente vai aprendendo.
Brinquedim, brinquetu, brincamos nós!